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Câncer e os processos emocionais

Foto do escritor: pridelneropridelnero

Atualizado: 5 de ago. de 2020

por Maria Cecília Cól Del Nero





Historicamente, há mais de 2000 anos, procura-se fazer uma conexão entre o câncer e os estados emocionais na tentativa de traçar um tipo de personalidade, entre outras características, presentes em pessoas com câncer. Simonton (1987) faz referência às observações do médico Galen, no século II d.C., de que mulheres deprimidas apresentavam mais tendência a desenvolver câncer do que as de natureza mais animada e bem-dispostas. Vários outros tratados, já no século XVIII, discorrem sobre a natureza e as causas do aparecimento do câncer, no entanto o que chama mais atenção é o fato de que as pessoas observadas terem passado por episódios traumáticos em um período relativamente curto de tempo anterior ao aparecimento da doença.


Somente em 1893, foi realizado um estudo estatístico, pelo pesquisador Snow baseado nos estados emocionais e sua relação com o câncer. Concluiu que de todas as causas do processo canceroso, sob vários aspectos diferentes, os agentes neuróticos eram os mais poderosos. Dos considerados mais freqüentes, a perturbação mental era a mais significativa. Observou ainda, de maneira admirável, que os idiotas e lunáticos eram os que conseguiam escapar desta forma de doença.


Atualmente sabe-se que o aparecimento do câncer não depende somente do tipo personalidade ou de fatores situacionais, mas de vivências multifatoriais (pré-disposições genéticas, dietas, exposição à radiações, etc.) que podem contribuir para seu aparecimento. Pesquisas no mundo todo têm estudado esses fatores e tentado relacioná-los na busca de formas e métodos de tratamentos e prevenção.


Pennebaker et al, realizam uma série de estudos em 1989, demonstrando que, quando o indivíduo reprime ativamente sua expressão emocional, há um aumento da excitação em certos canais autônomos, como na condução elétrica da pele. Estes autores mencionam que o acumulo de processo inibitório por longo período de tempo aumentam a probabilidade de adoecer (Apud Ramos, 1994).


Outros autores, como Baltrusch et al (1991) pesquisam o comportamento destes pacientes enfocando a tensão como dispositivo na progressão clínica de uma doença malígna. Observam que certas malignidades são influenciadas por fatores psicossociais e estilo de vida e que o risco de recidiva e metástase são influenciados pelo tipo e duração de um determinado estressor. Segundo ele, indivíduos com espírito lutador elevado, maior expressividade da raiva e menos tendência a suprimir sentimentos apresentam resultados mais favoráveis. Discutem a intervenção psicológica em suas diferentes formas para o tratamento desses pacientes.


Algumas áreas da medicina têm avançado na perspectiva de uma visão holística do indivíduo possibilitando vê-lo em sua totalidade enquanto ser biopsicossocial e desta maneira, buscar tratamentos multifacetários que contribuam para a qualidade de vida destes indivíduos. A medicina psicossomática surge desta perspectiva, tendo como princípio a interdependência de aspectos psicológicos e orgânicos, pois seria reducionismo afirmar que uma doença teria sua origem em aspectos puramente psicológicos ou orgânicos, visto que o fenômeno deve ser observado em toda sua pluralidade.


Cheathe, M.D. et al comenta sobre a necessidade de acompanhamento constante, não somente no diagnóstico e técnicas de tratamento como também na possibilidade de identificar numerosos problemas associados e direcionar o paciente ao tratamento mais apropriado. Isto exige um compromisso de tempo pelo cirurgião tratando o paciente individualmente, avaliando a necessidade correta de apoio, a extensão da angústia psicológica, a intensidade da dor e a exigência para administração de medicamentos, concluindo que a utilização efetiva da equipe multidisciplinar de cuidados na saúde, poderá otimizar o programa de tratamento desses problemas multifacetários e maximizar o potencial para resultados mais favoráveis.


Diante disso, torna-se importante a investigação psiquiátrica e psicológica de prováveis desordens mentais na história de vida pregressa de pacientes com câncer, levando-se em conta antecedentes familiares, relacionamento familiar, apoio social e a presença de recursos psíquicos que possam auxiliá-lo no enfrentamento da doença e do tratamento, pois condições pré-mórbidas desfavoráveis poderão se acentuar frente ao diagnóstico, doença, tratamento e prognóstico, sendo necessárias intervenções psicofarmacológicas e psicoterápicas para controle dos mesmos.


A medicina tem alcançado progressos significativos nos últimos anos no combate ao câncer, com a utilização de quimioterapia, radioterapia, entre outras formas terapêuticas, no entanto muito ainda têm-se estudado a esse respeito. Tais tratamentos têm sido utilizados como valioso instrumento clínico de grande potencial curativo e de benefícios paliativos no controle de sintomas e aumento de tempo de vida do paciente.


Por outro lado, os efeitos colaterais causados pela toxidade das drogas, dentre eles: cefaléia, náuseas, vômitos, mal-estar etc., tem desafiado os profissionais de saúde. O tipo de droga utilizada, a intensidade e o tempo, bem como a suscetibilidade de cada indivíduo e efeitos colaterais tardios do tratamento (queda dos cabelos, emagrecimento, p. ex.), implicam a ocorrência de alterações psicológicas que devem ser observadas e acompanhadas no decorrer do processo de tratamento.


Os transtornos psicológicos mais freqüentemente encontrados entre os pacientes com câncer, dizem respeito a estados de ansiedade e depressão. Em geral, os estados de ansiedade estão relacionados a “pré-conceitos”, dúvidas, fantasias e apreensão acerca da doença e tratamento. Embora o tratamento de alguns tipos de câncer tenha resultados excepcionais, culturalmente a palavra câncer carrega o estigma de uma doença mortal e irreversível, sendo sinônimo de sofrimento e dor.


Apesar de serem esperadas tais reações emocionais, estas devem ser controladas a fim de que não evoluam para estados de pânico que poderão resultar em perda de controle, confusão, desespero e regressão. Para tanto, é fundamental que o paciente esteja bem informado sobre as características de sua doença, bem como sobre fases do tratamento e possíveis intercorrências, a fim estabelecer vínculo de confiança com o profissional, possibilitando maior adesão e colaboração em seu processo de tratamento.


Os profissionais da área de saúde mental procuram observar sentimentos e emoções envolvidas no processo mental do paciente, utilizando-se de técnicas que estimulem a expressão de pré-conceitos e medos permitindo a possibilidade de elaboração dos mesmos. Isso se faz com a escuta clínica cuidadosa, falada ou não, criando espaço para que o paciente possa entrar em contato com sua própria subjetividade e reflexões sobre seu momento de vida.


Massie et al (1990), em seus estudos confirmam a prevalência de depressão nos pacientes de câncer e os tipos de síndromes deprimentes que são vistos comumente. É provável que, pelo menos 25% de pacientes com câncer hospitalizados conheçam o critério de depressão maior ou desordens de ajuste com humor deprimido. Pacientes com alto risco para depressão possuíam história de desordem afetiva ou alcoolismo, fases avançadas de câncer, baixa tolerância a dor e tratamento com medicamentos ou enfermidades associadas que produzem sintomas deprimentes. A avaliação clínica do paciente com câncer inclui averiguação cuidadosa de sintomas, estados mentais, estados físicos e efeitos do tratamento do câncer. O tratamento incluiria psicoterapia de apoio breve, medicamentos antidepressivos e raramente terapia eletroconvulsiva. Neste artigo os autores revisam o quadro clínico de depressão, inclusive sobre o risco de suicídio, e discutem modalidades de medicamentos.


vant Spijker, U. M., et al (1997) fazem uma revisão da literatura de 1980 a 1994 em problemas psicológicos e psiquiátricos em pacientes com câncer, prevalência, severidade e o curso destes problemas (depressão, ansiedade e angústia psicológica em geral). Uma meta-análise, com busca na MEDLINE, não mostrou diferença significativa entre pacientes com câncer e população normal com respeito a ansiedade e angústia psicológica. Porém, pacientes com câncer pareciam ser significativamente mais deprimidos que o normal. Comparados com pacientes psiquiátricos, os pacientes com câncer eram menos deprimidos, ansiosos e angustiados. O estudo conclui que, com exceção da depressão, a quantidade de problemas psicológicos e psiquiátricos em pacientes com câncer, não diferem da população normal e apontam para necessidade de explorar possíveis causas dos problemas psicológicos e psiquiátricos que têm influência nos pacientes com câncer.


Gostaria de transcorrer, brevemente sobre o termo multidisciplinar que, muitas vezes, é utilizado de forma inadequada pelo uso cotidiano que se faz dele. Faz-se assim, necessária a diferenciação entre os termos: equipe multiprofissional, multidisciplinar e interdisciplinar. Para Japiassú (1976), quando nos situamos ao nível do simples multidisciplinar, a solução de um problema só exige informações tomadas de empréstimo a duas ou mais especialidade ou setores do conhecimento, sem que as disciplinas levadas a contribuírem por aquele que se utiliza sejam modificadas ou enriquecidas. Por outro lado, a interdisciplinaridade trocam conhecimento interprofissionais incorporando os resultados de várias especialidades, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diferentes ramos do saber, integrando-os depois de julgados e comparados (Apud Nina, 1995).


As dificuldades inerentes às instituições, bem como características afetivo-cognitivas dos integrantes do grupo, se colocam como obstáculos que dificultam o processo de integração funcional de uma equipe. Portanto é necessário observar fatores que possam estar impedindo o andamento do processo da interdisciplinaridade, sendo a colaboração, comunicação, trocas afetivas e de conhecimentos fatores que podem contribuir para formação grupal efetiva.



BIBLIOGRAFIA


Baltruch H.J.; Stangel W.; Titze I. (1991) Stress, cancer and immunity. New developments in biopsychosocial and psychoneuroimmunologic research Acta Neurol (Napoli) 13:4, 315-27. Hannover Medical University, Germany.


Chiattone, H.B.C. (1998) Urgências Psicológicas em Leucemias In: V.A.A. Camon (org.) Urgências Psicológicas no Hospital. São Paulo: Pioneira. Cap. 8, pp. 171-185.


Grassi L.; Rosti G.; Albieri G.; Marangolo M. (1989) Depression and abnormal illness behavior in cancer patients Gen Hospital Psychiatry, 11:6, 404-11 University of Ferrara, Italy.


Levine P.M.; Silberfarb P.M.; Lipowski Z.J. (1978). Mental disorders in cancer patients: a study of 100 psychiatric referrals Cancer, 42:3, 1385-91.


Massie M.J.; Holanda J.C. (1990). Depression and the cancer patient Journal Clinic Psychiatry suppl. 12-7; discussion 18-9. Department of Neurology, Memorial Sloan Kettering Cancer Center, Nova York.


Nina, M.D. (1995) A equipe de trabalho interdisciplinar no âmbito hospitalar In: M. F. Oliveira & S. M. C. Ismael (org.) Rumos da Psicologia hospitalar em Cardiologia. Campinas, SP: Papirus.


Ramos, D.G. (1994). A psique do corpo São Paulo, Summus Editorial.


Sebastiani, R.W. Aspectos Emocionais e Psifisiológicos nas Situações de Emergência no Hospital Geral In: A.V.V. Camom (Org.) Urgências Psicológicas no Hospital. São Paulo: Pioneira. Cap. 1. pp. 9-12.


Simonton, O. C. , Simonton, S. e Creighton, J. (1987) Com a Vida de Novo: Uma abordagem de auto-ajuda para pacientes com câncer. São Paulo: Summus Editorial, pp. 39-47.


van Spijker U.M.;Trijsburg R.W.; Duivenvoorden H.J. (1997). Psychological sequelae of cancer diagnosis: a meta-analytical review of 58 studies after 1980 Psychosomatic Medicine 59:3, 280-93. Department of Medical Psychology and Psychotherapy, Erasmus University Rotterdam, The Netherlands.

São Paulo, Dezembro / 2001

 
 
 

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