top of page

Repressão das emoções e a coragem de assumi-las

Foto do escritor: Aline CecelAline Cecel

É muito comum da espécie humana o hábito de selecionar certas emoções, diante de situações difíceis ou dolorosas, para não sofrermos com o coletivo, cancelando nossas reais emoções daquele momento e recorrendo ao bom humor e ao famoso “tudo bem”.

A Psicóloga Susan David, da Faculdade de Medicina de Harvard (Estados Unidos), diz que, tradicionalmente, fomos ensinados a ler emoções como boas e más, positivas ou negativas e, em um favoritismo cultural, priorizamos nos sentir bem inclusive quando as situações chamam emoções menos prazerosas. Sentir é uma sensação básica do ser humano mas, frequentemente, nos prendemos a uma ideia binária de emoção e somos levados, por uma cultura de que o sofrimento pode ser evitado, a selecionar quais emoções devem ou não serem sentidas e expressadas. E é devido a esse convencimento fácil de que é preciso se livrar das sensações ruins para maximizar as sensações de prazer (comportamento reconhecido pelo psicanalista Sigmund Freud e elaborado nas premissas da psicanálise) que enfrentamos a dificuldade em lidar com nossas emoções.

Facilmente podemos nos lembrar de alguma situação em que a realidade foi levemente maquiada para evitar algum tipo de emoção, como em problemas no trabalho ou em relacionamentos. Emoções expostas ou não, elas ainda vão existir e impactar na forma como lidamos com as diversas situações que enfrentamos. Essa leve maquiagem nas emoções não é um grande problema, afinal, em alguns momentos é até importante para preservar a saúde mental ou até mesmo para tomar uma ação. No entanto, guerrear com nossas emoções para não senti-las pode intensificar seus rastros.

Para pesquisadores do Grupo de Pesquisa sobre Bem-Viver do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), o ato de "reprimir emoções" seria como uma reação para distorcer uma memória que não desejamos relembrar, ou mesmo a própria realidade, para que seja um pouco mais fácil encará-la. E falando de pandemia, "o medo é uma emoção difícil de reprimir, mesmo que as suas manifestações externas sejam contidas. O medo opera diretamente no sistema nervoso, acarretando em uma série de reações químicas no corpo, as quais envolvem hormônios como o cortisol. Uma pessoa que é exposta a muitas experiências que suscitam medo, por exemplo, de se contagiar, de perder uma pessoa querida, o emprego, e que por alguma razão tenha dificuldades em lidar com essa emoção, pode ao longo do tempo sofrer com os efeitos de cortisol em excesso em seu organismo", segundo os pesquisadores.

De acordo com a Psicologia Social Comunitária, as emoções são constituídas na interação e resultam das relações e das estruturas sociais, ou seja, só entendemos as nossas emoções ou as de alguém, quando consideramos o indivíduo e o contexto social no qual ele está inserido. E para discutir emoções no contexto da sociedade brasileira, é necessário levar em consideração as diferenças sociais constituídas, principalmente, em marcadores sociais como raça-etnia, gênero e classe social. Além disso, observar a singularidade de cada pessoa e de suas condições de vida é de extrema importância, uma vez que a exposição à situações de vulnerabilidades e discriminações impactam no atravessamento das emoções e na forma como as pessoas experienciam suas vidas.

Bom, independentemente das emoções que nos dão mais prazer, todas elas, de uma forma ou de outra, nos ajuda a traduzir a realidade e nos dá ferramentas para lidar com ela. Em momentos de grande complexidade, de mudanças econômicas, política e tecnológica sem precedentes vemos como as pessoas têm tendência a se refugiarem cada vez mais de suas emoções e uma abordagem que tem sido bastante investigada nas últimas décadas é a observação das emoções, o reconhecimento de como determinada situação afeta o nosso estado psicológico e fisiológico. Com essa prática, é possível entender que nós seres humanos somos muito mais do emoções e sentimentos, capazes de modular nossas respostas em função de viver bem com as demais pessoas a nossa volta.

Nos permitir sentir as emoções, enxergar a realidade e as emoções envolvidas e acolher o medo e a angústia como emoções é também um exercício de empatia, pois, assim, nos inclinamos a reconhecer essas emoções no outro. Para além de todo esse autoconhecimento, encarar nossas emoções nos dá a possibilidade de desmascarar a realidade, jornada muitas vezes desconfortável, mas que nos dá acesso a um diagnóstico social preciso, um lugar real, existente, onde podemos agir e projetar soluções duradouras, igualitárias e equânimes.


Fonte: UOL

79 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

תגובות


bottom of page